Na época do meu ensino fundamental, tudo que eu e minha mãe tínhamos era uma máquina de escrever Olivetti. Era naquele mágico aparelho, pesado a vera, que passávamos a limpo meus trabalhos escolares e as provas das turmas que minha mãe lecionava. Às vezes, doía muito as pontas dos dedos, principalmente quando a tinta já estava fraca, tínhamos que apertar bem forte as teclas para que ela carimbasse bem a fitinha à frente e, então, passasse para o papel uma letra legível. Tudo isto em preto ou vermelho apenas. O barulho das teclas era bem gostoso de ouvir e também era divertido quando o lugar que prendia o papel ia se movimentando para a direita até ouvir aquele clique agudo que indicava que estava na hora de empurrá-lo para a esquerda com toda força e começar tudo de novo. Era um mecanismo muito simples, eu, criança, conseguia entender todo o processo das engrenagens que fazia aquela máquina de ferro despejar letras em um papel.
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Reprodução google in:
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Depois, quando fiz treze anos, minha mãe comprou nosso primeiro computador. Eu já havia feito um cursinho de MS-DOS na associação do bairro Dr Laureano em Duque de Caxias mas aquela máquina ainda era um completo mistério, mesmo quando utilizava o windows 3.1 para jogar campo minado. Ao contrário da máquina de escrever, o computador exibia um sistema hermético, a gente nem podia ver o que tinha dentro daquele gabinete AMD K6. Mas eu, que sempre adorei abrir calculadoras, pager e ficava de olho quando meu pai se aventurou a consertar televisões, ficava muito intrigada com o que tinha dentro daquela caixa branca. Foi então que meu computador, uns dois anos depois, começou a dar problemas e agora eu tinha um álibi: eu precisava abrir aquele computador. Assim, aos quinze anos, eu comecei a descobrir muito mais sobre HD, memória RAM, cooler e outras pequenas partes que compõem um computador e fazem-no funcionar. Descobri que uma grande placa de circuito, chamada placa mãe, leva todas as informações geradas de um canto a outro assim como também pode ser nela que se processam imagem e som. Entretanto, é certo dizer que, naquela época, o computador ainda era uma máquina muito grande e pesada, todas as suas partes eram repletas de matéria paupável e visível. O computador era, por assim dizer, uma máquina de escrever com circuito (perdão aos amantes da tecnologia) mas agora, depois de aberto, não havia mais tanto mistério. No fim das contas, eu troquei o pente da memória RAM de 256 e consegui consertar meu computador.
Com o passar dos tempos, o computador que conhecemos foi se transformando de modo a perder mais e mais sua materialidade. Vejam só, hoje, escrevo de um computador que tem um cabo apenas, aquele que o liga na energia. Mas mouse e teclado são completamente sem fios. As redes wireless e bluetooth são os nossos cabos desmaterializados de hoje em dia. O mesmo também aconteceu com o HD. Antes, um disco físico onde todas as informações eram escritas. Agora, muitos computadores, smartphones e pequenos pendrives são capazes de armazenar todas as informações por meio de uma memória flash, espécie de pequeno circuito capaz de reter informações, que cada dia se torna mais e mais pequena, flertando com a nanotecnologia. Se antes precisávamos de muita matéria para mediar a passagem de uma informação, como máquinas pesadas, disco físicos, cabos etc, parece que atualmente estamos caminhando rumo a uma espécie de telepatia cibernética. Podemos abrir o celular e ver na palma da mão o que todos os amigos estão fazendo, como estão se sentindo e com quem estão andando por intermédio de uma estrutura cada vez menor de matéria física.
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Checando o mapa de Cambridge no Ipad em frente
ao primeiro computador da história em Harvard |
Minha crença é a de que esses circuitos se tornarão cada vez menores e desmaterializados e, quando a humanidade perceber, todas as barreiras do mundo tridimensional terão se esvaído. Esse processo, lento e natural também será acompanhado de uma profunda compreensão da mente humana com relação a o que a ausência da matéria e as dimensões do espaço e tempo implicam para a projeção do pensamento e, por conseguinte, a comunicação entre os seres. Em meus devaneios, penso que talvez não se fará mais necessário cartas, emails e Whatsapp, um simples pensamento concentrado e poderoso se fará suficiente, despido de qualquer mediação material, da matéria que conhecemos hoje, é claro. Enquanto ainda não temos aparatos cognitivos suficientes para produzir ou mesmo compreender profundamente o mistério da não matéria, ainda precisaremos de uma caneta e um papel ou de teclas e circuitos e uma tela que imita um papel em branco. Projetados assim, porque é assim que somos habituados a ver, é assim que somos agora e, por isso, ainda precisaremos de pastas virtuais e álbuns do facebook por mais algumas eras.