ARRIMO

As incertezas matam e a distância corrói,

Mas eu tenho para onde voltar, crescer, me criar

Com você

 

Eu queria acessar a nuvem para ver o futuro

Acho que por cima da MATRIX

Talvez um anjo me mostrasse

o rosto do nosso filho na sua mão

 

não sei se suportaria não

 

Eu não quero me perder

No nosso mundo

Nada além faz sentido

 

Eu, perdida, você, clarão

Eu, arredia, você compreensão,

E me deu tudo o que eu precisava

Nutriu meu mundo e se doou da forma mais generosa

 

Obrigada,

Te amo 

Jet lag

Uma porta separa as emoções. Uma porta. Atravessada no espaço de um tempo aberto, desconexo e icognoscível. Cutinga é língua, mas também é emoção. Um oceano pacífico de incertezas traz novos cheiros e morros e sons, vazio e montanhoso na beira da estrada. Carros passam, rápidos, mas passam. A rapidez é o vento que atinge meu cabelo, e também o de Patrícia. Cutinga é língua, mas também são discussões eternas sobre Orson Welles e calendário judaico-cristão. O tempo passa em quatro horas de nascer do sol no horizonte que não consegue. "Parece que sabe", ele me diz. À noite cutinga ainda é língua. Dois americanos e um muffin de blueberry, por favor.

Vamos, Renata! Diz o homem importante de terno. Ele não tem nenhuma resposta, mas faz muitas perguntas. As mulheres anotam tudo. Anotam compenetradas as coisas importantes. Há um sofá e gravatas distantes. Um cafezinho, por favor. Que mimo! Cutingas são pares que não se veem, que já não sei, porque está tudo assim.... tão diferente. A estação ainda é a mesma. O jogo começa. Já é terça-feira, dia de mercado. Chega! Não preciso comprar nada... só um cafezinho sul-americano me basta.

Sobre a memória flash e a ascenção da humanidade

Na época do meu ensino fundamental, tudo que eu e minha mãe tínhamos era uma máquina de escrever Olivetti. Era naquele mágico aparelho, pesado a vera, que passávamos a limpo meus trabalhos escolares e as provas das turmas que minha mãe lecionava. Às vezes, doía muito as pontas dos dedos, principalmente quando a tinta já estava fraca, tínhamos que apertar bem forte as teclas para que ela carimbasse bem a fitinha à frente e, então, passasse para o papel uma letra legível. Tudo isto em preto ou vermelho apenas. O barulho das teclas era bem gostoso de ouvir e também era divertido quando o lugar que prendia o papel ia se movimentando para a direita até ouvir aquele clique agudo que indicava que estava na hora de empurrá-lo para a esquerda com toda força e começar tudo de novo. Era um mecanismo muito simples, eu, criança, conseguia entender todo o processo das engrenagens que fazia aquela máquina de ferro despejar letras em um papel.


Reprodução google in:
http://portoalegre.evisos.com.br/pictures/
vendo-maquina-de-escrever-olivetti-lettera-25-id-122753
Depois, quando fiz treze anos, minha mãe comprou nosso primeiro computador. Eu já havia feito um cursinho de MS-DOS na associação do bairro Dr Laureano em Duque de Caxias mas aquela máquina ainda era um completo mistério, mesmo quando utilizava o windows 3.1 para jogar campo minado. Ao contrário da máquina de escrever, o computador exibia um sistema hermético, a gente nem podia ver o que tinha dentro daquele gabinete AMD K6. Mas eu, que sempre adorei abrir calculadoras, pager e ficava de olho quando meu pai se aventurou a consertar televisões, ficava muito intrigada com o que tinha dentro daquela caixa branca. Foi então que meu computador, uns dois anos depois, começou a dar problemas e agora eu tinha um álibi: eu precisava abrir aquele computador. Assim, aos quinze anos, eu comecei a descobrir muito mais sobre HD, memória RAM, cooler e outras pequenas partes que compõem um computador e fazem-no funcionar. Descobri que uma grande placa de circuito, chamada placa mãe, leva todas as informações geradas de um canto a outro assim como também pode ser nela que se processam imagem e som.  Entretanto, é certo dizer que, naquela época, o computador ainda era uma máquina muito grande e pesada, todas as suas partes eram repletas de matéria paupável e visível. O computador era, por assim dizer, uma máquina de escrever com circuito (perdão aos amantes da tecnologia) mas agora, depois de aberto, não havia mais tanto mistério. No fim das contas, eu troquei o pente da memória RAM de 256 e consegui consertar meu computador.

Com o passar dos tempos, o computador que conhecemos foi se transformando de modo a perder mais e mais sua materialidade. Vejam só, hoje, escrevo de um computador que tem um cabo apenas, aquele que o liga na energia. Mas mouse e teclado são completamente sem fios. As redes wireless e bluetooth são os nossos cabos desmaterializados de hoje em dia. O mesmo também aconteceu com o HD. Antes, um disco físico onde todas as informações eram escritas. Agora, muitos computadores, smartphones e pequenos pendrives são capazes de armazenar todas as informações por meio de uma memória flash, espécie de pequeno circuito capaz de reter informações, que cada dia se torna mais e mais pequena, flertando com a nanotecnologia. Se antes precisávamos de muita matéria para mediar a passagem de uma informação, como máquinas pesadas, disco físicos, cabos etc, parece que atualmente estamos caminhando rumo a uma espécie de telepatia cibernética. Podemos abrir o celular e ver na palma da mão o que todos os amigos estão fazendo, como estão se sentindo e com quem estão andando por intermédio de uma estrutura cada vez menor de matéria física.

Checando o mapa de Cambridge no Ipad em frente
ao primeiro computador da história em Harvard
Minha crença é a de que esses circuitos se tornarão cada vez menores e desmaterializados e, quando a humanidade perceber, todas as barreiras do mundo tridimensional terão se esvaído. Esse processo, lento e natural também será acompanhado de uma profunda compreensão da mente humana com relação a o que a ausência da matéria e as dimensões do espaço e tempo implicam para a projeção do pensamento e, por conseguinte, a comunicação entre os seres. Em meus devaneios, penso que talvez não se fará mais necessário cartas, emails e Whatsapp, um simples pensamento concentrado e poderoso se fará suficiente, despido de qualquer mediação material, da matéria que conhecemos hoje, é claro. Enquanto ainda não temos aparatos cognitivos suficientes para produzir ou mesmo compreender profundamente o mistério da não matéria, ainda precisaremos de uma caneta e um papel ou de teclas e circuitos e uma tela que imita um papel em branco. Projetados assim, porque é assim que somos habituados a ver, é assim que somos agora e, por isso, ainda precisaremos de pastas virtuais e álbuns do facebook por mais algumas eras.

Etérea


Eu sou ar que corre em minhas
veias do pulso sereno de
um pássaro

Eu sou leve como o vento e talvez
nunca veja as profundezas do oceano
porque sou

Sou forte como as folhas
que ficam no alto da copa de uma árvore
e caem

Eu tenho dentro de mim a força das tempestades
que derrubam tudo e depois sopram sua brisa
suave e serena

Eu sou o próprio caderno que escreve neste momento
de um pincel macio e calmo
tranquilo, rápido, certeiro

Quem viaja tanto só pode ser
filha do mundo, dos quatro pontos e cantos
e pontas

E, mesmo assim, não há chama que revele
nem da vela, nem da vida, nem do tempo
Aqui dentro, quem sou eu?

Choro



Dentro de um quarto escuro tinha medo de si. Não sabia se era por razão ou não, mas embebido na inércia nem ao menos conseguia se levantar para acender a luz. Uma pergunta pairava na sua cabeça e não o deixava dormir. Era tarde, talvez duas ou três da manhã, precisava acordar cedo no outro dia e pegar o trem na estação Paciência. Cruzava sempre a cidade inteira em pé, mas nem sentia a perna doer porque ia cabaleando de sono, mesmo depois de um café bem forte. Trabalhava o dia inteiro ajudando o pedreiro da obra do Cantagalo. Cansava o corpo todo, mas, quando chegava em casa, sua mente permanecia inquieta. Não entendia porque Ela reclamava tanto e em troca mandava-lhe logo calar a boca. "Quem Ela pensa que é?" Mesmo com o músculo tão cansado, que até podia sentir a latência dos ombros, uma só coisa lhe doía: a cabeça. Procurou a igreja, fez descarrego no terreiro do Zé, fez a simpatia do copo d’água na TV, mas não passava. Trabalhava, trazia comida pra casa, faltava isso e aquilo, mas ia levando. Via o jornal e era só desgraceira da braba. Aqueles pensamentos foram ficando cada vez mais e mais fortes e também mais profundos. Quase não podia controlá-los. Estava se tornando escravo de si. Ela, então, foi embora. Deixou ele só e ainda levou as crianças e tudo. Ele ficou amargo e foi pro bar beber. Pegou a carteira em cima da mesa, trancou a porta e foi pro boteco do seu Raimundo. Quis nem jogar uma partida de buraco com o Jacaré e os compadres. Foi direto pro balcão e pediu uma dose. E mais uma. E mais uma. E mais uma. E mais uma. O álcool queimava sua raiva por dentro e seus pensamentos pareciam criar vida diante de si. Quase como quem perde o controle, cambaleou voltando pra casa. Pegou uma faca e agora estava decidido. Saiu em direção ao trem,  era de noite. Agora ou nunca. Atravessou a rua sem olhar pra trás e de repente começou a chover um temporal. A água caia no seu rosto e esfriava a sua cabeça por dentro. Curava a bebedeira da cachaça e da vida. Choveu tanto que ele, pela primeira vez, chorava e, ainda assim, ninguém via. Saiu andando pelas ruas, olhando as casas de tijolos aparentes. Algumas já tinham uma camada de cimento. Outras dava pra ver até a viga. Andou, andou, andou e andou. Andou tanto que suas pernas doeram, mas dessa vez ele estava acordado e a dor era pulsante e real. Ele podia sentir pela primeira vez a Vida. Uma alegra incomum invadiu seu peito e ele queria apenas abraçar o cachorro magricela que levantou a orelha quando ele passou na frente da banca de jornal ainda fechada. Sentou, fez carinho em sua cabeça e parecia muito satisfeito. Preferiu ficar ali por alguns momentos experimentando. Depois que a chuva parou, levantou e tornou a andar. Amanhã é domingo.

Resenha: Eu sou Malala

Livro - Eu Sou Malala: A História da Garota Que Defendeu o Direito à Educação e Foi Baleada Pelo Talibã
Lamb, Christina; Yousafzai , Malala



Assim que baixei a amostra do "Eu sou Malala" no Kindle, logo no primeiro capítulo, já sabia que eu tinha que comprar o livro. Afinal, uma história sobre uma garota paquistanesa de 14 anos que militou a favor da educação das meninas no Swat, quando este foi tomado por forças Talibã, merece ser lida. Mas, além da história da menina Malala, para minha surpresa, o que igualmente me comoveu durante a leitura do livro foram os relatos cheios de amor e saudade sobre o Swat pré-Talibã e a linda história de amor entre pai e filha, inesperada dado o fato de que em regões islãmicas o nascimento de um filho homem se sobrepõe ao nascimento de meninas, E é exatamente sobre esses pontos que eu quero falar um pouquinho aqui neste texto.

Logo na parte 1, "Antes do Talibã". Malala descreve como era o vale do Swat antes da invasão das tropas do extremista islãmico Fazlullah. Apesar de ser uma região pobre, o Vale é descrito como um lugar lindo, muito visitado por turista e extremamente pacífico. Malala relata que havia hóteis famosos na região e que ricos estrangeiros e paquistaneses vinham passar as férias no vale. Uma terra montanhosa, com muitas árvores e verde é descrita nesta primeira parte do livro. Achei um ótimo relato, não apenas para contrapor com a fase de extrema violência pós-Talibã mas também para que leitores leigos sobre a região, como eu, possam desconstruir a imagem de que o Paquistão sempre foi uma grande zona de guerra. Surpreendentemente, não é o cinza que predomina nesta parte do livro e sim o verde.

Ziauddin Yousafzai é o pai da Malala e também o personagem mais citado ao longo do livro. Professor de inglês e dono de uma pequena escola no vale do Swat, lutou bravamente pelo direito das crianças paquistanesas à educação. É explícito que o espírito questionador de Malala foi influenciado pelo viés político de seu pai, que tem na liberdade e no processo educativo suas bases ideológicas. A relação pai-filha é muito forte ao longo de toda a biografia e tem seu início já no nascimento da menina, quando o pai, de forma inesperada para os padrões culturais do lugar, comemora e ritualiza o nascimento de uma menina. O apoio do pai, que contrário às tradições locais sempre buscou defender as liberdades de sua filha, é para mim a parte mais tocante do livro, pois é com base na segurança deste relacionamento que Malala tem o respaldo necessário para lutar pela educação das meninas do Paquistão após a proibição Talibã.

De uma forma geral, é um livro que vale a pena ser lido. Além de auto-biográfico, também é um ótimo relato histórico sobre como ocorreu a entrada do Talibã no Paquistão e suas consequências. É um texto leve, fácil de ler e com descrições detalhadas mas não exaustivas. A história da luta branca de Malala e do seu pai é inspiradora para aqueles que apoiam as causas sociais pelo mundo. Afinal, se uma menina adolescente e seu pai professor ousaram desafiar um dos mais extremistas, misógenos e cruéis exércitos do mundo, e ainda saíram vivos para contar a história, qual seria então a nossa desculpa para continuarmos assistindo injustiças sociais a nossa volta sem que tenhamos a coragem de levantar nossa voz em prol dos direitos humanos básicos e tantas vezes negligenciados? Considero, portanto, uma leitura mais do que recomendada e para todas as idades! =)



De pressa



A vida é uma grande distração. Pulsante e fulgaz. Fazemos tudo na pressa do tempo de amanhã. O tempo corre rápido e nem sabemos mais dizer que dia é hoje porque, daqui a pouco, todos sabem, já é natal. É fácil observar como as crianças são afetadas pelo tempo da modernidade, talvez seja por isso que desde tão novinhas já saibam mexer nos tablets.No inconsciente coletivo, todos já têm a urgência de saber de tudo. O que sobra realmente é que não sabemos nada.

São tantas as possibilidades da vida de hoje. E são tantos sonhos. Mas, pera! O que eu quero da vida mesmo? Não se sabe. Antes, filho de artesão virava artesão e o príncipe virava rei mas hoje temos o agridoce sabor das tomadas de decisão em meio a tantas opções ilusórias. Se é impelido a escolher dentre uma mar de possibilidades o que fazer da vida, mas tem que ser agora e do jeito que está. E já que teoricamente se pode ser tudo, muitos se paralizam, então, diante da possibilidade de ser nada no meio de tantas opções. Sabemos que a vida passa depressa e sem dó. Mas será mesmo que precisamos dessa pressa de ser?

Se Proust passou tanto tempo de sua vida a procura do tempo perdido,  agora o dilema é outro: temos tanto medo do que vamos fazer com o pouco tempo que temos que acabamos por perder mais tempo ainda pensando no que vamos fazer a fim de não perder esta oportunidade única que é a vida. Tentamos tanto procurar o tempo “perdido” a nossa frente que na verdade estamos perdendo tempo agora de instante a instante.O ditado já diz que “a pressa é inimiga da perfeição”, tenho pra mim que é ainda pior. A pressa é inimiga do ser humano. Precisamos de tempo e tempos diferentes para cada um. A desaceleração da vida terá que ser um processo global para que não haja um colapso nervoso coletivo.